Censura Hoje

Diferentemente do que ocorria em regimes ditatoriais, quando o estado de exceção escancarava as medidas de censura, hoje as iniciativas violadoras de liberdades podem se revestir de outro caráter, valendo-se de expedientes variados, todos com grande carga de autoritarismo e controle ideológico. Por isso, é importante atentar para novas formas de censura que podem emergir no atual contexto político, em pleno regime tido como democrático, de escalada autoritária.

Essas medidas de censura, controle ideológico e repressão institucional cresceram exponencialmente nos últimos anos no país. Trata-se não apenas de iniciativas de controle prévio de conteúdos artísticos e culturais, ainda que isso venha ocorrendo reiteradamente. A complexidade da situação atual reside justamente no fato de os episódios não se restringirem à censura “clássica”, strictu senso. Para compreender a real dimensão do fenômeno pernicioso que assola a área cultural é preciso tomá-lo como uma grande ofensiva autoritária contra as artes e a cultura brasileira.

É uma ofensiva que possui diferentes dimensões, camadas, mecanismos e discursos pretensamente legitimadores. Estes últimos são amparados essencialmente na lógica da perseguição político-ideológica e do conservadorismo moral e religioso. Nesse quadro, as vítimas preferenciais das ações autoritárias têm sido os artistas e agentes culturais que mantém um posicionamento político explícito (geralmente contrário ao governo) e/ou que trazem em suas manifestações artísticas, posturas estéticas e conteúdos identitários, como ocorre em obras relacionadas à orientação sexual, gênero e raça.

A ofensiva autoritária parte do Estado e afeta decisivamente a máquina pública. Há um processo incisivo de instrumentalização e desmonte dos órgãos e instituições culturais públicos, que atinge orçamento, funcionalismo, normatização e comunicação. O objetivo é cumprir a agenda de controle ideológico dos segmentos culturais. O resultado é ação sistêmica de ameaças, perseguições e ataques aos artistas. Não se resumindo ao poder público, as medidas autoritárias têm sido empreendidas também pela iniciativa privada, em projetos próprios ou naqueles em que existe algum tipo de parceria com o poder público: co-realização, autorização ou financiamento.