Juiz Hélio Silvio Ourém Campos, da 6ª Vara Federal de Pernambuco, determina que o nome do ex-coronel da Polícia Militar Olinto de Souza Ferraz seja retirado de ‘qualquer menção a tortura com participação direta ou indireta por ação ou omissão’ dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou crimes cometidos por agentes do Poder Público durante a ditadura militar de 1964 [1]. A decisão decorre de ação protocolada por membros da família do ex-coronel, que argumentam pela falta de especificação ‘minimamente detalhada’ de suas condutas [2]. Após a decisão, documentos oficiais da CNV, preservados pelo Arquivo Nacional, tiveram ao menos três páginas modificadas, colocando-se tarjas pretas sobre o nome do ex-coronel [3]. Nos documentos, Olinto Ferraz consta como integrante da ‘cadeia de comando do órgão envolvido com a morte’ e autor de ‘graves violações de direitos humanos’, pois, em 1971, ocupava o cargo de chefe da Casa de Detenção de Recife quando Amaro Luiz de Carvalho, militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR), foi preso e assassinado [4]. À época, a Secretaria de Segurança de Pernambuco divulgou que a morte foi causada por envenenamento premeditado pelos demais presos, no entanto, no atestado de óbito, consta que o falecimento ocorreu por ‘hemorragia pulmonar decorrente de traumatismo de tórax por instrumento cortante’ [5]. A CNV concluiu que Amaro Carvalho morreu em razão de ‘ações perpetradas pelo Estado’ e recomendou a continuidade das investigações para responsabilização dos agentes envolvidos [6]. O juiz entendeu que ‘diante da inexistência de fatos concretos negativos contra o militar em questão e da incerteza quanto a sua suposta omissão’, seria necessário ‘extirpar qualquer má interpretação acerca dos fatos’ para ‘preservar a imagem, honra do militar e de sua família’ [7]. No Arquivo Nacional, a decisão é tratada como uma ‘anonimização’ e foi recebida com parecer da Advocacia Geral da União (AGU) para cumprimento imediato [8]. Para cientista político que coordenou a CNV, a determinação judicial é ‘um absurdo’, uma ‘tentativa de encobrir uma investigação’, e ‘se impõe como censura ao que foi revelado’ [9]. Para ONG focada em transparência, a decisão viola a Lei de Acesso à Informação [10]. Em nota, o Arquivo Nacional afirma que cumpriu a decisão, mas que ‘vê com preocupação decisões judiciais que vão de encontro às recomendações –nacionais e internacionais– da área de arquivos, e ao direito de acesso à informação’ [11]. A AGU diz que não entrou com recurso tendo em vista o ‘não preenchimento dos requisitos legais autorizadores à interposição do apelo’ [12]. Para advogado, a conduta da AGU é ‘estranha’ e cabe à Procuradoria da República e à OAB verificarem se a atuação foi eficiente [13]. Associação de historiadores repudia a medida, considerada uma ‘ameaça à produção do conhecimento histórico e à democracia’ e ‘traz o risco de impor esquecimentos, desrespeitando o interesse público’ [14]. Em outros momentos, a Secretaria de Cultura vetou o plano de manutenção do Instituto Vladimir Herzog [15] e arquivou projeto de peça teatral crítica à ditadura militar [16], o Arquivo Nacional não publica trabalhos de ganhadores do edital Memórias Reveladas sobre a ditadura [17] e a Justiça determina retirada de painéis da exposição ‘Democracia em Disputa’ com fotografias de momentos históricos do país [18].
Justiça Federal determina a retirada do nome de ex-coronel da Polícia Militar dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade
A pedido de parentes do falecido militar, o juiz Hélio Campos entende que não há provas concretas do envolvimento do ex-coronel em violações de direitos humanos. A União não recorre e o Arquivo Nacional lamenta a decisão.